Relatório sobre Mundo do Trabalho – Abril/2019

Regime de Capitalização

Fatos relevantes

Sob a alegação de se tratar de um “regime alternativo” de aposentadoria, o governo Bolsonaro, capitaneado pelo ministro Paulo Guedes, visa aprovar a transição para o regime de capitalização – o intuito é a substituição do regime de repartição pelo regime de capitalização. A proposta do governo é que o regime de capitalização, a princípio não obrigatório, substitua gradualmente o atual sistema de aposentadoria.

Aliada ao aumento da idade mínima de aposentadoria para 65 anos e tempo de contribuição mínima de 15 para 25 anos e ao corte inicial do BPC para idoso pobre de R$ 998 para R$ 400 a mudança no regime de arrecadação é o ponto mais estratégico da reforma, um dos pontos de maior resistência para a oposição.

Mais da metade dos países que adotaram o modelo de capitalização previdenciária, de forma total ou parcial, entre 1981 e 2014, tiveram que retornar ao sistema público de Previdência Social, “porque o sistema não atendeu às expectativas, mas gerou frustrações”, conforme estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em números concretos, 30 países que migraram para o regime de capitalização, de 1981 até 2014, 18 desfizeram as reformas, revertendo-as totalmente ou parcialmente para o sistema público de Previdência. Os dezoito países são: Rússia, Argentina, Bulgária, Bolívia, Hungria, Polônia, Cazaquistão, Venezuela, Equador, Nicarágua, Eslováquia, Estônia, Letônia, Lituânia, Croácia, Macedônia, República Tcheca e Romênia.

O modelo de capitalização inspirador da equipe econômica de Bolsonaro é o implantado no Chile, em 1981, pela ditadura de extrema-direita de Augusto Pinochet, que depôs à força o presidente progressista eleito Salvador Allende. A mudança no regime previdenciário resultou no aumento exponencial das taxas de suicídio entre a população idosa no país vizinho.

Segundo dados do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre 2010 e 2015 (envelhecimento da primeira geração da nova previdência), 936 adultos maiores de 70 anos tiraram a própria vida.

Medidas do governo

Envio para o Congresso (Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da Câmara dos Deputados) da PEC 06/2019 – a proposta de Reforma da Previdência.

A CCJ da Câmara, numa última sessão que durou 10 horas, aprovou no dia 23/04)o projeto de Reforma da Previdência de Bolsonaro e Guedes. Essa é a primeira fase para a aprovação do projeto, que passou pela análise dos deputados sobre a constitucionalidade da proposta apresentada pelo governo. No dia 9 de abril, o deputado Marcelo Freitas (PSL/MG), relator da Reforma da Previdência na CCJ, votou pela admissibilidade do projeto. Na última sessão da comissão, 48 deputados seguiram o relator e consideraram a proposta constitucional contra 16 que votaram contra.

Um dos pontos centrais e mais perigosos da proposta de reforma da Previdência é a desconstitucionalização da Previdência Social, que permitirá alteração de regras previdenciárias, do sistema de proteção da rede social, critérios para pensões, aposentadorias e formas de correção sem a necessidade de aprovação de Emendas Constitucionais e sim através de leis complementares, que são mais facilmente aprovadas atendendo interesses menores e circunstanciais do governo de plantão.

Com a aprovação da proposta enviada pelo governo, Previdência Social será questão de governo (conjuntural), e não de Estado (estrutural, constitucional). Por conseguinte, o próprio governo Bolsonaro teria maior poder sobre a Previdência Social, para arruiná-la ou simplesmente alterá-la.

A proposta enviada pelo governo ao Congresso possui 40 páginas; “lei complementar” é uma expressão que se repete 53 vezes – a palavra mais recorrente em todo o projeto. Em todos os casos, o que ocorre é uma transferência de poder. A ideia é excluir da Constituição os principais aspectos pertinentes à Previdência Social. Deste modo, questões importantíssimas como reajuste da aposentadoria, taxa de contribuição, a obrigatoriedade da contribuição patronal num eventual regime de capitalização, dentre outros temas, serão modificados ou tratados a partir de leis complementares aprovadas no Congresso. Esses tópicos deixariam de constar na Constituição Federal.

  • Mudar a Constituição é bastante difícil no Congresso Nacional e exige muita articulação política. Apenas na Câmara dos Deputados são necessárias duas votações de 308 votos para se aprovar uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional). Para mudar uma lei complementar necessita apenas de uma votação de 257 votos. Ou seja, é muito mais fácil alterar uma lei complementar do que alterar a Constituição Federal. Por este motivo o governo Bolsonaro deseja desconstitucionalizar a Previdência e jogá-la à inconstância das leis complementares.

A desconstitucionalização da Previdência poria fim ao direito à aposentadoria. Isto é, a aposentadoria deixaria de ser um direito garantido pela constituição, e passaria a ser uma espécie de benefício regido pela conjuntura política do Congresso Nacional, uma instituição política.

Segundo o deputado Paulo Ganime (Novo/RJ), um dos entusiastas da reforma na Câmara, o tema da previdência nem sequer deveria constar na Constituição, pois trata-se do maior vilão das contas públicas. Para a mentalidade liberal de partidos como o Novo e PSL, a Previdência sSocial é vista como um conjunto de dados estatísticos unicamente, e não como uma rede de proteção que atende sobretudo às camadas mais pobres da população brasileira.

Análise crítica

O texto da proposta de Reforma da Previdência é complexo e merece ser discutido continuamente pelas organizações políticas Brasil afora. Não pretendemos, nos limites deste estudo, esgotar o debate acerca da Previdência. As discussões seguirão, juntamente com as lutas populares para frear e impedir a aprovação da reforma.

Nosso objetivo principal foi o de apresentar os perigos da desconstitucionalização da Previdência social, tema específico que por vezes se torna secundário no debate geral acerca da reforma enviada pelo governo ao Congresso. É fácil para a população enxergar que o aumento da idade mínima para homens e mulheres para a aposentadoria é algo negativo para a classe trabalhadora. Mas não é fácil enxergar que a desconstitucionalização da Previdência, que retira da Constituição os seus principais aspectos tornando-os modificáveis através de leis complementares, é algo prejudicial. A desconstitucionalização aumentará o poder do Congresso, o poder político sobre a previdência, um dos principais direitos conquistados e assegurados pela Constituição Federal de 1988.

Como demonstramos num dos tópicos acima, com a constitucionalização da previdência tornou-se difícil ajustar questões como idade mínima de aposentadoria ou taxa de contribuição previdenciária. Para isso, seriam necessárias duas votações nas duas casas legislativas federais com aprovações de 2/3 de cada casa. Com a desconstitucionalização, essas mesmas questões podem ser modificadas com muito mais facilidade. Nossos direitos previdenciários, portanto, tornar-se-iam mais frágeis. Esse é um ponto fundamental pelo qual a oposição deve lutar: contra a desconstitucionalização da Previdência. O regime de capitalização é perigoso por si só, pois privatiza a gestão da arrecadação da Previdência para os bancos, gerando instabilidade ao direito à aposentadoria. Com a desconstitucionalização, a instabilidade aumentaria muito mais.

Como também mostramos nos tópicos acima, a experiência de mudança no regime de aposentadoria mundo afora não atendeu às expectativas, conforme relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mais da metade dos países que mudaram de regime retornaram, total ou parcialmente, para o regime de aposentadoria pública. Outro dado alarmante foi o aumento exponencial da taxa de suicídio entre a população idosa no Chile, o primeiro país a experimentar do regime de capitalização. A ideia básica do regime de capitalização é a de que os benefícios são pagos de acordo com as contribuições feitas no passado pelos próprios trabalhadores.

Em suma, a consolidação do regime de capitalização significaria no Brasil a ofensiva definitiva do projeto liberal do governo Bolsonaro, com o apoio da elite financeira, sobretudo os banqueiros, em desmantelar o Estado Social e a rede de seguridade social provenientes da promulgação da Constituição Federal (chamada também de Constituição Cidadã) de 1988.

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