Relatório sobre Ciência e Tecnologia – Abril de 2019

Fatos Relevantes:

Como alertamos no primeiro relatório deste Observatório da Democracia, ainda em fevereiro, a área de Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I, invadida pelo setor de Comunicações, mal sem tamanho perpetrado pela lei no 13.341 (de 29/09/16), ao juntar ações desconexas está conduzindo, a passos largos, o setor responsável pelo desenvolvimento científico e tecnológico nacional para seu réquiem.

Como braço preferencial do MCTIC, os números confirmam a prevalência de Comunicação em relação a CT&I.  Enquanto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) (Unidade Orçamentária – UO 24202), responsável por promover e financiar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades, centros de pesquisa, governo e entidades do terceiro setor, foram destinados R$ 92,9 milhões em investimento no projeto de lei orçamentária – PLOA de 2018, nos Correios (Comunicação, Unidade Orçamentária – UO 24214) o investimento foi de R$ 921,9 milhões (quase 10 vezes mais). Na outra estatal das Comunicações, Telebrás (UO 24215), fica maior ainda a preferência na alocação de recursos: R$ 1 bilhão.
Aliado a esta preferência, pois trata de outorgas de rádio e TV, o decreto no 9.741/19, editado em 29 de março, veio a solapar de vez a área de CT&I. Sem a garantia anteriormente conferida a CT&I, que excluía a pasta da limitação de empenho, condição excepcional para execução de políticas públicas autorizada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (art. 9o, § 2o), e a preservava, orçamentária e financeiramente de cortes, o ministério perdeu R$ 2,2 bilhões em sua programação orçamentária para este ano. Viu reduzidos 42,3% de seu orçamento. Restará apenas R$ 2,9 bilhões ao MCTIC.
O decreto atingiu diretamente a oferta de novas bolsas da Chamada Universal, selecionadas em 2018 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Simplesmente foram suspensas. Devido ao corte deixaram de ser financiados 5,6 mil projetos de pesquisa, sendo 2,4 mil projetos da Faixa A (até R$ 30 mil), 2 mil da Faixa B (R$ 60 mil) e 1,2 mil da Faixa C (R$ 120 mil), estavam reservados para estes estudos o montante de R$ 200 milhões. Além das bolsas suspensas com o corte, o CNPq só terá recursos para arcar com as bolsas até o mês de setembro.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que financia produção de inovação, implantação de infraestrutura e equipamentação em instituições de ensino, institutos de pesquisa e tecnologia, perdeu 80% de sua dotação. Já ruim das pernas com a perda do Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro), em 2013, que respondia pela metade dos recursos dos dezesseis fundos setoriais de CT&I, volume importante para CT&I, hoje quase que todo esterilizado (dinheiro contingenciado, que não pode ser aplicado) para fazer superávit primário, a pasta não vê nada minimamente razoável no horizonte.

Se pouca não fosse a tragédia, é bom recordar que, além do corte dos recursos do MCTIC, o Ministério da Educação (MEC) também sofreu um corte de 21% de sua dotação, fato que causará enorme colapso no funcionamento das principais agências de fomento à pesquisa do governo federal: CNPq (MCTIC), Finep (MCTIC) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes (MEC). Institutos de pesquisa e universidades e os cursos de pós-graduação no país sofrerão grande impacto.

Medidas propostas:

Basta ver o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias – PLDO enviado ao Congresso Nacional. Nada de CT&I, não obstante proselitismo eleitoreiro de que almejaria chegar a 3% do PIB em investimento em pesquisa e desenvolvimento.

Se para CT&I zero, não esqueceu o PLDO de estimar para 2020 em R$ 362,2 bilhões (21,1% da arrecadação) o montante para renúncias tributárias destinadas a empresas (Anexo IV.1). Irmanado aos ungidos nacionalmente, restringiu a militares e pensionistas destes permissão para concessão de vantagens e aumento de remuneração.

Como sofisma goebbeliano repetido mil vezes, diz que não trabalha com o dito “toma lá, dá cá”. Mas mantém uma Seção específica (X, do Capítulo IV), que trata do modelo de execução das despesas decorrentes de emendas parlamentares individuais e de bancada, fruto não destes, mas convalidados pelos próprios falsos vestais de uma coisa que se sabe lá o que signifique de “nova política”. 

Piada, num sistema político eleitoral disciplinado por leis medievais, a exemplo da 9.504/97 (Lei das Eleições), 4.737/65 (Código Eleitoral), 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) e Lei Complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades).


Nenhum pronunciamento, defesa ou fala dos que professam “nova política” a respeito de mudança real da forma de se fazer política neste país, através da adoção da limitação de mandatos, voto distrital misto, com lista (onde mulheres figurem na primeira vaga, negros na segunda e indígenas na terceira), recall (revogação de mandatos), candidaturas avulsas limitadas a 10% das vagas, eliminação de suplência de senadores e interregnos mínimos de mandatos para candidaturas de familiares de políticos com mandato, entre outras.

Análise crítica:

Sem muitas novidades, a realidade de CT&I reserva um horizonte sombrio: um patamar risível de execução financeira de disposição de recursos orçamentários a ser estendido para 2020 e anos seguintes, em função da EC 95, que estabelece um teto para os gastos anuais do governo pelos próximos 20 anos, a partir do orçamento executado no ano corrente.

Não é de se estranhar, na ordem unida, prática comum desde Caminha, que o establishment decida quem terá direitos e espaços socioeconômicos mais humanizados e nababescos, a exemplo do que se opera como verdade absoluta, através da farsa goebbeliana incrustrada na PEC da Previdência.
CT&I não poderia ser diferente. Depois de uma fase áurea, de 2003 a 2010, sem limitação de empenho, ampliação dos investimentos em institutos de pesquisa e criação de novos, regulamentação do FNDCT (execução de 100% dos recursos de todos os 16 Fundos), Lei de Inovação, MP do Bem, resultados nos projetos aportados nas Organizações Sociais da pasta, ampliação do Sistema Nacional de CT&I, aportes nas Fundações de Amparo Estaduais, relação constante e parceira com o Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (CONSECTI), com o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), com o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de CT&I, com a Academia Brasileira de Ciência (ABC) e com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Sobre ABC, vale recordar que foi na gestão de 2003 a 2010 que foi feita a cessão do prédio que hoje ocupa, em parceria com o governo do Rio de Janeiro.

Sobre SBPC, a própria ABC e a Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (ABIPTI), é bom lembrar, que estas instituições emblemas da CT&I do país, somente conseguem prover seus custeios e realizar seus eventos devido à criação, ainda na segunda metade da primeira década deste século, na peça orçamentária do então MCT, de um instrumento orçamentário (operação especial), chamado contribuição corrente. Essa rubrica ainda persiste (vide LOA 2019), e, num mundo que olhe mais para CT&I, não este atual, deve ser ampliada.

Hoje, numa tragédia anunciada, caminhamos cada vez mais, para assumirmos a Teoria das Vantagens Comparativas de David Ricardo, na qual se exporta aquilo que tem expertise e se importa, com o valor excedente vendido, aquilo que não se consegue produzir, tecnologia embarcada, notadamente. Simples esta conta de Ricardo: hoje, o Brasil precisa exportar 21 mil toneladas de minério de ferro para comprar uma tonelada de semicondutor (areia esquentada).

Nesse cenário, de descaso com o futuro do país e das próximas gerações, estabelece o governo ora mandante, que fundos setoriais da pasta, tenham uma ínfima execução, colocando o MCTIC como o órgão que mais contribui para o cumprimento da meta de resultado primário, com reserva de contingência.

O quadro abaixo – provocador de lágrimas de tristeza -, entabulado pelas iInstituições mais importantes do SNCTI brasileiro, ilustra a redução constante dos recursos de CT&I nos últimos quinze anos. E o pior, um saco sem fundo, a navegar assim.

Fonte: ABC, Andifes, Confap, Consecti, SBPC e Fórum de Secretários Municipais de C&T.  Disponível em http://www.abc.org.br/wp-content/uploads/2019/04/Carta-conjunta_corte-orc%CC%A7amenta%CC%81rio-2019.pdf

Não é de se estranhar que o Relatório Setorial de CT&I (PLOA 2019, Área VIII) relate o féretro: “Salientamos que possuem dificuldades orçamentárias, principalmente, CNPq, CNEN e INB”. Inobstante INB agora estar no MME (Ministério de Minas e Energia), o estrago é grande, num país que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, com apenas 20% do solo brasileiro estudado.

De outro, ancorado no braço forte do primo rico, das outorgas de rádio e TV (Comunicação), comparando-se o valor autorizado em 2018, apesar do aumento da reserva de contingência (85,9%), nota-se que o primo poderoso recebeu um significativo aumento de investimentos (20,9%) e de inversões financeiras (425,7%), sendo a maior parte disso, aproximadamente 315%, para participação da União no capital da Telebrás. Pesquisa, desenvolvimento, inovação, o lado pobre, zero!

Triste país e tristes dirigentes estes. Gente como o profeta grego Tirésias que, embora cego, foi agraciado por Zeus com o dom da previsão. Estes nossos mandatários, infelizmente, são apenas cegos. Quiçá não escroques.

O que fazer pois? Alguma coisa nova, outras que já existiram:

a) Recuperar o Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) para área de CT&I, hoje em sua maior parte esterilizado em prol do superávit primário;

b) Retirar Comunicação do órgão;

c) Incluir, no Anexo III do PLDO de 2020, a não limitação de empenho das ações de CT&I, nos termos do art. 9°, § 2°, da LRF (LC 101/00), prerrogativa que vigorou em todas LDOs, de 2003 a 2010, com a seguinte redação: “64. Despesas com ações vinculadas à função Ciência e Tecnologia”;

d) Alterar o art. 55, e demais conexos, da EC 86/15, do limite de 1,2% da receita corrente líquida que será destinada a emendas individuais para os parlamentares, conforme programação do PLOA, reservando, ao mínimo, 1/5 (um quinto, 20%), a ações de CT&I. O valor para estas despesas no OGU de 2019 foi de R$ 5,2 bilhões. Se CT&I ficasse apenas com 20% teria R$ 1,04 bilhão. Metade do que foi cortado da pasta com o Decreto no 9.741/19; e

e) Por fim, e não suficiente, excluir CT&I da incidência da EC 95/16 (“Teto de Gastos”).

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