Relatório sobre ataques à Democracia – Abril/2019

Fatos relevantes e medidas de governo que atacam a Democracia

Um dos traços característicos do governo de Jair Bolsonaro é o total desapego com o Estado Democrático de Direito, com os direitos humanos e as liberdades democráticas. O viés autoritário do presidente e de outros integrantes de seu governo pode ser verificado em inúmeras entrevistas, nas publicações pessoais em redes como Twitter e Facebook, e nas medidas de governo que visam cercear o livre acesso à informação, o direito de manifestação e organização da sociedade e a participação social nas discussões, decisões e acompanhamento de políticas públicas.

Os ataques aos professores, às universidades, à ciência e tecnologia, aos meios de comunicação e a jornalistas, bem como os pontos do Pacote Anticrime vão todos no mesmo sentido: restringir a democracia e caminhar para a pavimentação de um estado autoritário.

No mês de abril, algumas decisões do governo aprofundaram esse cenário, colocando no centro da luta política a defesa da democracia. São eles: o Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019 que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”, a imposição, pelo Ministério da Economia, de sigilo às informações sobre a Reforma da Previdência, a publicação, pelo Ministério da Justiça, da Portaria Nº 441, de 16 de abril de 2019, autorizando o emprego da Força Nacional de Segurança na Esplanada dos Ministério e a portaria 216/2019 que unificou as emissoras NBr e TV Brasil atacando a comunicação pública.

Medidas anunciadas

Decreto 9.759/2019 – extinção dos colegiados da administração pública federal: De acordo com o decreto, proposto pelo Ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, serão extintos todos os colegiados instituídos por decretos, inclusive os mencionados em leis nas quais não conste a indicação de suas competências ou dos membros que o compõem, por atos normativos e por outros colegiados.

Ou seja, o decreto acabou com conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas; e qualquer outra denominação dada ao colegiado.

Além disso, novos colegiados serão criados, quando houver necessidade comprovada, por decreto presidencial. As demais hipóteses de criação de colegiado por meio de portaria interministerial deverão observar as seguintes regras: quando a participação do outro órgão ou entidade for na condição de convidado, sem direito a voto; ou quando o colegiado: a) for temporário e tiver duração de até um ano; b) tiver até cinco membros; c) tiver apenas agentes públicos da administração pública federal entre seus membros; d) não tiver poder decisório e destinar-se a questões do âmbito interno da administração pública federal; e e) as reuniões não implicarem deslocamento de agentes públicos para outro ente federativo.

As reuniões deverão ter anunciadas sua duração e, no caso de ultrapassarem duas horas, deverão estipular o momento exato da deliberação.

O decreto ainda definiu regras para gastos, limitando passagens e deslocamentos.

Sigilo às informações sobre a Reforma da Previdência: O Ministério da Economia decretou como sigilosas informações e estudos sobre a PEC 06/2019 que trata da Reforma da Previdência. Em 21 de abril, a Folha de S.Paulo anunciou que todo o material que serviu como base para a redação do texto que o governo enviou ao Congresso “foram classificados com nível de acesso restrito por se tratarem de documentos preparatórios.” Os pedidos de informação pelo Portal da Transparência e baseados na Lei de Acesso à Informação a estes dados foram negados.

Portaria nº 441 de 16 e abril de 2019:  autoriza o uso da Força Nacional de Segurança na Esplanada dos Ministérios: A portaria do Ministério da Justiça foi estimulada por solicitação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. A portaria autoriza o emprego da FNS “nas ações de preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, na defesa dos bens e dos próprios da União, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília/DF, em caráter episódico e planejado, pelo período de 33 (trinta e três) dias, a contar de 17 de abril de 2019”, com possibilidade de prorrogação.

Portaria 216 da Presidência da Empresa Brasil de Comunicação, de 09 de abril de 2019: a portaria unifica as programações da emissora NBr e TV Brasil num mesmo canal e a otimização das equipes de trabalho. O anúncio da nova programação agrega conteúdos produzidos pela NBr, com flashes ao vivo da Presidência da República e dos ministérios ao longo da programação, apresentando atos e ações do governo federal.

Análise crítica:

Extinção dos conselhos e colegiados: O decreto que extingue os espaços de participação social são um ataque frontal à democracia. O argumento público que foi usado para a medida, como na maioria das iniciativas deste governo, é a redução de gastos e otimização da gestão. No entanto, o que a medida de Bolsonaro fez foi desmontar a Política Nacional de Participação Social aprovada pela presidenta Dilma Rousseff. Na exposição de motivos, apresentada pelo ministro Onyx Lorenzoni para o decreto, ele se refere a esta política como: “uma aberração cuja revogação é urgente. Não foi sem motivo que o decreto tornou-se popularmente conhecido como “Decreto Bolivariano”. Além disso, o ministro chefe da Casa Civil reconhece que a motivação para a extinção dos conselhos e das possibilidades de participação social não é econômica: “Alguns consideram, equivocadamente, que o problema do excesso do colegiado é, apenas, o gasto com diárias e passagens nas reuniões e as expectativas frustadas quanto aos resultados”, e cita em seguida os graves problemas que envolvem esses colegiados: “Grupos de pressão, tanto internos quanto externos à administração, que se utilizam de colegiados, com composição e modo de ação direcionado, para tentar emplacar pleitos que não estão conforme a linha das autoridades eleitas democraticamente”.

A eliminação dos espaços de participação social e de pressão legítimas da sociedade sobre o rumo das políticas públicas faz parte da raiz dos governos autoritários, que não reconhecem na sociedade e nas suas formas de organização espaços ativos e legítimos.

Ainda não se sabe ao certo quais “colegiados” serão extintos, mas estima-se que podem chegar a mais de uma centena, entre os quais o Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência (Conade), o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travetis e Transexuais e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR, Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), o de Relações do Trabalho, de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), a da Biodiversidade (Conabio) e até o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). https://cgi.br/

Sigilo às informações da Reforma da Previdência: A medida significa que o cidadão não pode ter acesso às estatísticas e dados que sustentam o texto em tramitação na Câmara dos Deputados da PEC 06/2019. O governo argumenta que o sigilo é crucial, para não ocorrer “interpretação equivocada” da reforma e para que a divulgação não “afete os mercados” nem “a tramitação no Legislativo”. A negação de pedidos de informação via Lei de Acesso à Informação só pode ser feita em casos muito específicos, definidos pela própria lei. A regra é a transparência das ações do Estado. Em janeiro, uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi um decreto que alterou as regras para a classificação de documentos como sigilosos, secretos e ultrassecretos. Assinado pelo vice-presidente da República, o decreto alterou a Lei de Acesso à Informação, permitindo que ocupantes de cargos comissionados – que podem ser indicados politicamente – classifiquem informações como ultrassecretas nos casos em que sua divulgação “ameace a segurança da sociedade ou do Estado”.
Ressalta-se que a falta de transparência é fundamental para as estratégias e ações de governos autoritários, que possuem uma agenda política de ataque aos direitos sociais, como no caso da Reforma da Previdência.

Uso da Força Nacional de Segurança na Esplanada dos Ministérios: A medida tem caráter altamente antidemocrático de ataque à livre organização e manifestação popular. Viola o artigo 5º da Constituição Federal. Várias atividades e manifestações estavam previstas para acontecer em Brasília no período dos 33 dias de vigência da Portaria. Além da mobilização contra a Reforma da Previdência, o Acampamento Terra Livre, organizado pelos movimentos indígenas de várias regiões do país e que neste ano realiza a sua 16ª edição. Também, neste período, há o ato do 1º de Maio, dia do Trabalhador, que neste ano será unificado e contra a PEC 06/2019.

Unificação dos canais NBr e TV Brasil: A portaria 216 é inconstitucional e ilegal. Ela viola o artigo 223 da Constituição Federal, que determina a complementariedade para o sistema de radiodifusão no Brasil, entre o sistema público, privado e estatal. De acordo com a diretriz constitucional, cabe à união outorgar canais observando essa complementariedade. A criação da EBC, pela Lei 11652/2008, foi uma conquista da sociedade e a primeira iniciativa do Estado para dar concretude à determinação da Constituição. A Lei instituiu os princípios e objetivos da comunicação pública e criou a Empresa Brasil de Comunicação para realizar a “prestação de serviços de radiodifusão pública e serviços conexos”. A TV Brasil era a emissora de televisão pública sob responsabilidade da EBC. Além disso, a empresa prestava um serviço conexo ao governo federal, através de contrato, para produzir o conteúdo da programação do canal estatal NBr, emissora de televisão voltada para dar divulgação aos atos do Poder Executivo.

Ao unificar num mesmo canal a programação de emissora estatal com a programação de emissora pública, a portaria viola a Constituição — porque o artigo 223 não fala de programação, mas de sistema — e na prática acaba com os princípios e objetivos da comunicação pública previstos na lei da EBC, portanto a medida também é ilegal, já que viola a sua própria legislação.

Entre os princípios atacados estão: não discriminação religiosa, político partidária, filosófica, étnica, de gênero ou de opção sexual; autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão; e participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira. Entre os objetivos da comunicação pública previsto na lei, a portaria viola no mínimo os seguintes: oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional; desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora de cidadania; fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação; vedada qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão.

Parece óbvio que a programação de uma emissora estatal — de divulgação dos atos do governo — é incompatível com a pluralidade política, religiosa e com o debate público sobre temas de interesse nacional.

Nos primeiros dias de vigência da “nova TV Brasil” unificada, já houve interrupção da faixa destinada à programação infantil para transmitir atos do governo federal, e interrupção de outros programas. O telejornal também tem tido conteúdo voltado para a propaganda do governo.

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