União em defesa da Democracia, do Brasil e dos direitos do povo


Introdução

A eleição de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais instaura um novo ciclo político no país, vincado por explícitas ameaças à democracia, aos direitos do povo, à soberania da nação e ao patrimônio nacional. Indica uma rota que vai na contramão da profunda transição em curso na ordem mundial. O golpe de agosto de 2016 foi o gatilho que disparou a escalada da direita mais extremada ao governo da República. 

Para isso, não há somente causas internas, mas um conjunto de fatores de fundo que permite uma compreensão mais ampla desse fenômeno. Apesar do promissor resultado com a chapa Haddad-Manuela, alcançando 45% dos votos, em nossa opinião, o resultado da eleição presidencial de 2018, é uma grave derrota sofrida pelas forças democráticas e progressistas e tem dura consequência estratégica e tática.

O governo Bolsonaro significa uma ruptura na ordem democrática nacional, um retrocesso aquém da redemocratização institucionalizada em 1988, passos atrás na defesa do interesse nacional no contexto da transição em curso na ordem mundial, a imposição de um plano de austeridade econômica para a maioria da população, recuo nos direitos trabalhistas aquém do período getulista e até involução nas conquistas civilizacionais.

A união de forças oposicionistas agora decorre da instauração do governo com tais características, assim permite a conformação de uma frente política ampla – em defesa da democracia, da soberania nacional e do progresso social – sendo este o modo mais eficaz para mobilizar e reunir todas as forças possíveis de serem unidas, capaz de isolar o governo e levá-lo à derrota. 

Essa visão de frente ampla, nas condições atuais, tem como centro de gravidade, o seu mote, a defesa da democracia ameaçada como posição para o avanço de outras grandes bandeiras. A frente assume um perfil democrático marcante. Sem liberdade política as lutas se tornam mais difíceis.

I – Um mundo em transição

A evolução do sistema internacional no início do século 21 é marcada pela emergência de novos polos de poder no mundo, oriundos dos países ditos emergentes, que não compunham o núcleo central do sistema internacional moderno.  A previsão por instituições de acompanhamento da evolução das nações avaliam que até 2030, as dez maiores economias mundiais serão formadas por sete países provindos de fora desse núcleo central moderno.  A China já a maior economia global, medida pela paridade do poder de compra (PPC), e a Índia já estará ultrapassando os Estados Unidos nesse período previsto.    

A China e a Índia na história da economia mundial atual são exemplos de uma trajetória em direção ao centro do sistema a partir de sua “periferia”. Só tem precedentes na ascensão dos próprios Estados Unidos e da Alemanha pós-unificação no século 19. São países de grande dimensão populacional e territorial, com poderio militar nuclear, e que não se renderam ao cerco em torno da liberalização financeira e cambial. Para isso conseguiram criar modernas estruturas estatais de planejamento e regulação. E entre esses novos polos destaca-se a atuação internacional da Rússia — a partir da ascensão de Vladimir Putin — que tem procurado reconstituir esferas de influência para enfrentar o cerco desencadeado pelos Estados Unidos. Nesta nova atuação, a Rússia mantém o segundo maior arsenal nuclear do mundo, e atua explicitamente como potência energética – poder advindo das suas gigantescas reservas de petróleo e gás. Amplia assim suas áreas de influência na Ásia Central e explora a condição de dependência energética da Europa.

O ano de 2019 se encontra nesse entroncamento de uma transição do pós-guerra fria para mudança tendencial no sistema de poder internacional.  Os Estados Unidos, sobretudo a partir do governo de Donald Trump, aguçaram a rivalidade geopolítica pela hegemonia no século 21 com a China e a Rússia. A diretriz exposta no documento Estratégia de Segurança Nacional de Trump, afirma que a “China e a Rússia desafiam seu poder, a sua influência e os interesses dos EUA e tentam minar a segurança e a prosperidade norte-americana”. A escalada protecionista contra a China, as sanções e ações de isolamento contra a Rússia levaram, diante disso, a Beijing e Moscou a consolidar sua aproximação para enfrentar essa ameaça.  

Nesse contexto de grandes transformações, instabilidade e ameaças nesse início das duas décadas do século 21, é caracterizado pelos conflitos em toda a região do Oriente Médio, pela perda relativa de poder e influência da Europa, pelo renascimento da Doutrina Monroe, com a contraofensiva do imperialismo estadunidense na América Latina e Caribe, pelo deslocamento do eixo político e econômico para a Ásia, e pela crescente desigualdade entre os países centrais e os periféricos e dentro de todos eles. 

Em suma, sobressaem: a crescente ameaça neocolonial dos Estados Unidos, com crescente investimento em armas modernas e tecnologia cibernética na tentativa de assegurar a sua hegemonia mundial; o acirramento e tensão da disputa comercial e de domínio da tecnologia da “quarta revolução tecnológica“ entre os Estados Unidos e a China; o avanço da trajetória para um mundo multipolar, com a ascenção de novos polos ao centro do sistema internacional.

Donde fica o Brasil nesse contexto destacado no curso internacional? O país se afasta cada vez mais de um projeto próprio e autônomo de desenvolvimento, com base no interesse nacional e nos anseios fundamentais do seu povo. Prevalece a orientação que vai na contramão da profunda transição em curso na ordem mundial.  

II – Brasil: a Nação e o povo diante do momento histórico presente

Governo eleito de Jair Bolsonaro:

   O Brasil passou por uma ruptura institucional, com a deposição da presidenta Dilma Rousseff em 2016, por meio de um golpe de Estado parlamentar. O governo Temer estabeleceu um regime de crescentes medidas de exceção, entrega do Pré-sal e aplicação plena do receituário neoliberal; não logrou a superação da crise, mas a agravou; não retomou o imprescindível crescimento da economia; a renda per capita retrocede ao nível de 2009, cresceram as camadas pobres e só aumentou o desemprego.

Esse golpe de agosto de 2016 foi o gatilho que disparou a escalada da direita mais extremada ao governo da República.  A eleição de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais instaura um novo ciclo político no país, vincado por explicitas ameaças à democracia, aos direitos do povo, à soberania da nação e ao patrimônio nacional. Foi eleito um presidente da República declaradamente determinado a instaurar um governo de conteúdo autoritário extremado, para aplicar, de qualquer modo, um programa ultraliberal e neocolonial. O fato é que há uma guinada em direção a um retrocesso, à desconstrução, e mesmo à destruição de históricas realizações progressistas.

A encruzilhada diante da Nação, uma constante de nossa história, segue a via oposta à democracia, à soberania e ao desenvolvimento nacional, ao progresso social e civilizacional.     

A democracia reiniciada 1985 — após o fim da ditadura militar — institucionalizada com a Constituição de 1988, sofre um corte. Dada a importância do Brasil, que possui uma economia que está entre as dez maiores do mundo, por sua importância geopolítica no continente latino-americano, essa ruptura reacionária pode ter forte impacto regressivo na América Latina.

América Latina, laboratório para novas formas de intervenção política:

O ascenso da extrema-direita no Brasil não está relacionado somente às causas internas. Um conjunto de fatores de fundo permite uma compreensão mais ampla desse fenômeno. A crise do capitalismo contemporâneo e o redesenho do mapa geopolítico e geoeconômico, abrem caminho para a aplicação ou propostas de solução de correntes extremadas de direita, de matriz facistizante. A propósito, a matriz de cunho fascista só ganha alento e projeção com a crise, num quadro que leva à “cólera da nação” (Maurice Bardèche, neofascista depois da 2ª Guerra). 

O extrato dominante do capitalismo se divide para dar resposta à crise: uma parte mantém a politica liberal, a outra alega ser essa politica incapaz de resolver a crise e enceta uma solução autoritária, ou ditatorial aberta, nacionalista xenófoba, com variantes próprias em cada país.

Além disso, no caso brasileiro, com a eleição de Bolsonaro à presidência da República, se passa no contexto politico da América Latina. A viragem política progressista em grande parte desse continente latino-americano, no começo do século 21, começou a ser barrada. Em meados da segunda década, inicia uma contraofensiva conservadora no continente, sob a condução do imperialismo dos Estados Unidos, agora na atualidade do governo Trump, e seus aliados das classes dominantes local. O alvo principal dessa ofensiva é hoje a Venezuela submetida a um cerco e ameaças crescentes de invasão militar. Vem prevalecendo uma guinada à direita, com exceção do México.  A América Latina aparentemente vai se tornando em laboratório para novas formas de intervenção politica. Nesse sentido são demonstrativos os acontecimentos no Paraguai, Honduras e o Brasil, com a deposição de seus presidentes eleitos, com participação e beneplácito da justiça. 

Essas novas formas passam pela instrumentalização aberta do judiciário, na perseguição dos inimigos internos, na exploração de um bode expiatório, agindo à revelia do devido processo legal, utilizando do processo penal em função de um viés político, sempre favorecendo os Estados Unidos e seus aliados domésticos. Em mira está o poder politico, para aplicação do receituário econômico neoliberal e prevalência da via da austeridade, corte de direitos da maioria da população, alienação da soberania do país e retrocesso de conquistas emancipadoras.

A resistência de amplas forças políticas e sociais:

No Brasil a democracia está em risco. Mas é preciso acentuar: não será fácil Bolsonaro enterrar a democracia. A campanha na reta final da chapa Haddad-Manuela chegou a levantar a consciência democrática da nação, alcançando mais de 47 milhões de votos. Camadas expressivas da sociedade brasileira passaram a perceber o que estava em jogo nesse momento de nossa história. A resistência das forças democráticas, progressistas, populares e patrióticas parte assim de forte potencial a ser mobilizado e ampliado, de contingentes que não aceitam a imposição de um Estado de Exceção e do retrocesso.

Por outro lado, em nossa opinião, o resultado da eleição presidencial de 2018, é uma grave derrota sofrida e tem dura consequência estratégica e tática. Nos leva a uma defensiva estratégica e a uma tática de luta que seja capaz de acumular forças, numa correlação de forças muito desfavorável. Uma tática que visa nesse momento político não ter como gume a radicalização de posições, mas a da ampliação de forças políticas e sociais. E  saber aproveitar as contradições de interesses e ideias no seio do governo, prenhe de tensões, reforça a luta progressista por seus objetivos. 

A investida da extrema-direita que levou Bolsonaro à presidência da República consistiu de expressivo apoio popular e envolveu poderosos extratos da sociedade: parte significativa da classe dominante, monopólios financeiros, o dito “mercado”, maioria das igrejas evangélicas, parcelas decisivas das Forças Armadas, do Poder Judiciário, da grande mídia, do Ministério Público Federal e da Policia Federal.

 A situação transcorreu desde o declínio após o terrível impedimento da presidenta Dilma, seguido das contra(reformas) impostas pelo governo Michel Temer, a forçada prisão de Luiz Inácio Lula da Silva. Isso tudo culminou na eleição de Jair Bolsanaro, de grandes bancadas legislativas e de maioria dos governos estaduais, resultados do efeito de um amplo reagrupamento de forças reacionárias no Brasil, no leito de uma tendência mundial. Tem apoio integral do imperialismo norte-americano e de partidários da direita extremada e fascista no mundo. É hoje um consenso que esse revés nos levou a uma situação a mais adversa desde o Golpe Militar de 1964.

A eleição de Bolsonaro nem é uma simples continuidade do governo Temer, mas se compõe na tentativa de mudar de fato o próprio regime político instaurado com a Nova República, pactuado com a Constituição de 1988. O que se passa é que no curso político brasileiro desponta um novo período demarcado pelo autoritarismo extremado, pelo ultraliberalismo, pelo conservadorismo na prática comportamental.

O que significa esse novo marco na história política do Brasil? Trata-se de uma ruptura na ordem democrática nacional, um retrocesso aquém da redemocratização institucionalizada em 1988, passos atrás na defesa do interesse nacional no contexto da transição em curso na ordem mundial, a aplicação de um plano de austeridade econômica para a maioria da população, de recuo nos direitos trabalhistas aquém do período getulista e até involução nas conquistas civilizacionais. Essas são as indicações feitas pelo governo atual, no seu começo errante, já consumido por escândalos, ainda de incertezas e respaldado pelo núcleo político e social heterogêneo que o levou ao planalto. 

A implantação desse governo com esses traços vincados gera necessariamente várias oposições que podem formar uma resistência de união de forças democráticas, nacionalistas e populares, cujo alvo principal é isolar e derrotar esse governo com tais intentos.  

III – Frente Ampla em defesa da democracia, do Brasil e dos direitos do povo

A união de forças oposicionistas decorre da instauração do governo com tais características, assim permite a conformação de uma frente política ampla – em defesa da democracia, da soberania nacional e do progresso social – sendo este o modo mais eficaz para mobilizar e reunir todas as forças possíveis de serem unidas, capaz de isolar o governo e leva-lo a derrota. 

Essa visão de frente ampla, nas condições atuais, tem como centro de gravidade, o seu mote, a defesa da democracia ameaçada como posição para o avanço das outras grandes bandeiras. Porquanto o pressuposto da liberdade politica, partidária, sindical, minorias, de organização e mobilização popular é que permite prosseguir na luta pelos direitos do nosso povo e a soberania nacional. As ameaças à liberdade política são explícitas – o governo tem um ímpeto saliente de autoritarismo e tendência fascistizante. Sem a liberdade política, as lutas se tornam mais difíceis.

Portanto, o meu ponto de vista é que essa frente assume um perfil democrático marcante, podendo assim combinar uma relação de ação comum com todas as organizações de esquerda, centro-esquerda, de setores populares e também de personalidades do centro político. Alguns exemplos recentes apontaram nesse sentido. Na campanha eleitoral de 2018, no Nordeste brasileiro, amplas coalizões partidárias foram formadas, truncando o bolsonarismo e alcançando ampla vitória do nosso campo. A recente vitória na Câmara dos Deputados que sustou o projeto “Escola sem partido” reuniu partidos, organizações de esquerda e populares e deputados de outras tendências liberais.

Como se relaciona as forças populares ou uma frente popular, que reúna a esquerda com a frente ampla?  Os comunistas do PCdoB, com sua longa experiência nesses períodos antidemocráticos e de restrição às liberdades têm pontuado que o campo popular deve se constituir como um núcleo da frente democrática ampla, procurando indicá-la para as posições oposicionistas mais consequentes. São frentes de conteúdo popular dentro de uma frente maior de perfil democrático. Desse modo, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo devem fazer parte dessa frente sem diluir-se nela, mas sendo uma base de unidade popular dentro da frente maior. Daí a importância da crescente unidade popular. 

Em tal situação, é primordial para garantir a unidade popular, a defesa constante das reivindicações mais sentidas das massas populares, sobretudo as voltadas para as questões candentes como o emprego, salário, condições de vida e de trabalho. Para isso contribui a organização das Centrais Sindicais em um Fórum comum e em uma articulação convergente com os setores populares.

As contradições entre a unidade e luta, numa frente ampla, heterogênea são comuns e devem ser resolvidas, sempre buscando a unidade. E, principalmente, no campo das forças de esquerda constituem-se em procedimento vil e nocivo os ataques entre partidos e agressões entre seus membros, fora do leito salutar da luta de ideias, isso levando à desagregação e não à convergência e unidade.

É muito importante salientar que na formação das frentes politicas, sobretudo nas mais amplas, devam ser espaços de exercícios de consensos e unidade progressivos. Por isso é inviável para um justo andamento frentista, ter de antemão um líder único ao qual todos os demais devam seguir. Do mesmo modo é questionável que a frente deva nascer sob a hegemonia antecipada de um partido.

Consequências da revolução tecnológica na informação e comunicação para a luta das forças progressistas:

Por fim, não poderia deixar de situar a questão nodal do século 21, que impacta e modifica tudo: a própria luta pela democracia, a luta pelas liberdades, o mister da política, a existência e funcionalidade dos partidos, as formas de mobilização e organização massivas, os levantes e as revoltas, a batalha eleitoral. Tratam-se das revolucionarias tecnologias da informação e comunicação advindas da era da INFORMÁTICA, da Internet, da nova realidade da sociedade organizada em redes manipuláveis, que atinge o amago da informação e da formação do conhecimento. Qualquer pessoa com um dispositivo conectado à internet agora opera como um propagador de mensagens ou produtor de conteúdos. Vai além disso, conforma uma prática de grandes assembleias públicas de debate permanente, subvertendo toda a comunicação e a informação tradicional.  

Essa mudança gigantesca permite uma mudança essencial, anômala: o apoio à verdade passa a ser relativa, até mesmo deixar de ser pertinente. A internet não impede o que é falso. Daí a era da chamada “pós-verdade”. Nas redes sociais são cidadãos decididamente inclinados a formular uma realidade própria. Eu tenho a minha verdade você tem a sua. Do auge dessa nova situação de subversão da essência do ser (filosófico) – a realidade concreta – avultam as fakes news. A construção de uma falsidade é o que antes já existia usado pelos monopólios da comunicação, mas agora são utilizadas por novas mídias baseadas na robótica da informação, por exemplo. Isso fez parte do debate político como se fosse normal e foi o que aconteceu na eleição presidencial de 2018.

A lisura do pleito foi corrompida para favorecer a candidatura da extrema-direita, por intermédio de expedientes ilegais, ao estilo da denominada guerra hibrida que estimula grande quantidade de notícias falsas, nas quais procuraram atingir de forma sórdida Hadadd e Manuela. Tal situação passa pela luta especifica no terreno judicial, é uma nova frente de luta. É nesse terreno da revolução provocada pela internet, que as forças progressistas têm que estar à altura das novas tecnologias, agora no período da luta de resistência, em uma reorganização para atingir seus objetivos e assimilar essa nova metodologia para a luta.  

RENATO RABELO
Presidente da Fundação Maurício Grabois

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *